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O Hobbit – Uma viagem inesperada

Acredito que essa seja uma das críticas mais difíceis que eu já tenha escrito. Não pelo fato de O Hobbit ser um filme complexo, forrado de metalinguagens, alegorias ou mensagens subliminares, longe disso. O problema é justamente no amálgama do conceito de “conteúdo” e de “apresentação” no julgamento do filme, fato este que observei em muitas resenhas pela rede. Assisti O Hobbit como Peter Jackson queria que sua audiência o visse. Em 48 quadros por segundo (High Frame Rate) e em 3D.

Para quem não sabe a diferença entre todos os filmes que nós vemos (que são em 24 quadros por segundo) com este novo formato, uma explicação bem simplista seria que em um filme normal em película cada quadro (ou “frame”) é composto por 24 “fotos” que formam um segundo de movimento. É o que vemos normalmente em qualquer filme no cinema ou em home vídeo. O que Peter Jackson fez foi utilizar câmeras que ao invés de 24 fotos por cada segundo, temos 48 fotos formando um segundo de movimento. É o dobro do que nosso olho costuma ver em um segundo de movimento. O resultado disso? Definição surreal, mais fluidez nos movimentos, o fim da película e talvez uma revolução parecida com a chegada da cor e do 3D.

Realmente o novo formato assusta. Ao inicio temos a impressão de que o filme está em “fast foward”, mas acredito que seja apenas nosso cérebro se acomodando após anos e anos vendo cinema em 24 fps. Logo a impressão desaparece e parece que alguém retirou aquela película protetora que separava nós cinéfilos do mundo que vemos na tela, dando a incrível impressão de estarmos olhando para um portal para outro mundo, mas um portal concreto, um portal que realmente está lá. Cada poro da face dos personagens, cada ruga, cada fiapo de tecido nas roupas e cada pêlo nas barbas de Gandalf e dos anões eram visíveis e por incontáveis vezes me peguei prestando atenção em detalhes que nunca apareciam (ou não eram tão vivos) em película. As belíssimas tomadas panorâmicas nos fazem pensar que estamos sobrevoando a região em algum avião (ou no topo de alguma famigerada águia gigante).

O 3D funcionou como uma luva junto com os 48 quadros, fazendo essa impressão de “janela” ser concretizada em 100% de sua capacidade. A computação gráfica ficou integrada e muito real, sendo em alguns momentos impossível de determinar se determinado orc era algum ator com maquiagem ou um amontoado de pixels unidos por uma equação matemática.

Então, em se tratando de visual e imersão, O Hobbit recebe a nota máxima com louvor e palmas em pé. Mas esse é o grande problema, pois o filme não. As pessoas saem tão maravilhadas e anestesiadas do cinema devido ao visual e à nova tecnologia que acabam misturando a apresentação do conteúdo. Tentei aqui separar as coisas.

Dirigido por Peter Jackson (com direção de segunda unidade assinada por Andy “Gollum” Serkys) e roteirizado pelo próprio Jackson e pelo ótimo Guillermo del Toro, O Hobbit começa bem. Passando-se anos antes dos eventos da trilogia O Senhor dos Anéis, o mago Gandalf (Ian McKellen, sempre ótimo) surge no Condado para recrutar um jovem e sossegado Bilbo Bolseiro (Martin Freeman, um achado) a fim de resgatar a terra dos anões das garras do dragão Smaug.

O clima do livro está todo lá. Infantil, leve e bem divertido. Os anões que aparecem um a um na casa de Bilbo estão impagáveis e temos um primeiro ato extremamente fiel à obra de Tolkien e ainda bem divertido. Até o encontro da trupe com os três trolls, o filme estava indo bem, com Peter Jackson sendo medíocre na direção de atores e dando grandiloqüência em cenas de correria à sua maneira e nos dando a impressão que Andy Serkys colocou o dedo em muita coisa. O fato é que O Hobbit é um livro pequeno. Dois filmes de duas horas seriam mais do que necessários para cobrir toda a história de forma extremamente fiel, deixando os fãs com um sorriso de orelha a orelha. Infelizmente, Jackson estende esta primeira parte à quase três horas de duração e sabemos que ainda existirão mais dois (!!) filmes com a mesma metragem. Ou seja, muita coisa que vemos foi adicionada. A participação do mago Radaghast que nunca deu as caras em O Hobbit e do vilão Azog que é citado no livro de forma superficial foi incorporada como elementos chave no roteiro.

Aliás, toda a seqüência de Radghast serve para adicionar outro elemento que só era citado no livro (o famigerado Necromante) e que será elaborado mais nos outros filmes (e as conjecturas de onde isso irá levar essa nova “trilogia” me deixa com medo das pretensões de Peter Jackson para uma adaptação de um livro relativamente simples). O Orc Branco Azog é interessante, muito bem feito, mas não funciona. Se percebermos bem, apesar de um vilão assustador sua presença e toda sua inserção na trama é totalmente dispensável. Peter Jackson nem dá ao seu arco um fim. Somos apresentados ao personagem, temos um conflito e ao final, não temos o desfecho. Azog, o Necromante e Smaug são os três grandes arcos de conflito apresentados neste primeiro filme, porém NENHUM deles é satisfatoriamente desenvolvido nem mesmo encerrado.

A certo ponto, tanto a longa duração quanto essa “colcha de retalhos” torna o roteiro cansativo, justamente porque cada cena de correria leva à outra cena de correria sem sentido. Ao invés de usar essa gordura adicional para desenvolver melhor cada anão (algo que nem Tolkien fez no livro) ou ainda adicionar mais cenas relevantes de background da Terra Média e enriquecer o “lore” que ele mesmo transpôs para o cinema, Jackson prefere gastar tempo de filme em correrias e mais correrias.

Justiça seja feita, os diálogos (quando existem) estão ótimos e cada história contada pelos personagens é maravilhosa. A cena do encontro de Bilbo com Gollum é de longe a melhor e mais empolgante parte do filme e realmente vale O Hobbit. Gollum está melhor do que nunca e relembramos ali como Andy Serkys é talentoso. O conselho branco também é interessante, e sempre é bom ver Christopher Lee na tela grande (e em 48 fps parecia que eu poderia abraçar o velho Drácula). Uma ótima seqüência também é o prólogo, com Bilbo velho (Ian Holm) e a aparição de Frodo (Elijah Wood). A cena foi inesperada pelo seu conteúdo e vai deixar uma nostalgia gostosa no coração dos fãs da trilogia O Senhor dos Anéis pelo timming em que se passa.

Resumindo, O Hobbit é lindo, revolucionário, e delicioso de se ver. Mas cansa não pela sua grande duração em si, mas pelo mau uso desse tempo extra. Jackson é um ótimo argumentista e designer de produção, mas deveria ter deixado a direção para outra pessoa e roteiro melhor polido.

Os próximos filmes (respectivamente para 2013 e 2014) também foram gravados no formato 48 fps. Vale muito o esforço para encontrar um cinema que passe neste formato. Estarei lá, mesmo se as falhas persistirem.

Quem sabe assim eu consiga finalmente puxar a barba de Gandalf, como muitas vezes durante a sessão achei que conseguiria?

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