Quando nos sentamos na cadeira do cinema ou da sala de nossa casa e nos defrontamos com uma película, sempre temos a sensação de que aquilo que estamos vendo por mais interessante que seja em algum momento de nosso passado já foi visto.
O cinema mundial em geral (e digo isto como alguém que já passou pelos filmes-pipoca americanos aos introspectivos e lascivos europeus, passando pelas recicladas e magoadas fantasminhas orientais, voltando aos indies do mangue brasileiro) carece de uma luz de criatividade. Muita coisa é feita, mas pouca coisa é realmente original. E não basta ser original. Tem que divertir. Afinal, cinema também é diversão.
Mas cinema também é, porque não, uma forma de nos desestressar observando a dor alheia, fazer-nos salivar com suculências femininas intocáveis, suar de nervoso numa queda livre direto da poltrona ou expor os problemas que assolam a humanidade e assim fazer as pessoas refletirem sobre o que as cerca.
Temos aí então um paradoxo. Ou no mínimo, uma tarefa extremamente difícil:
Como um filme pode divertir, sendo criativo, fazendo-nos pensar (sem ser pedante) e ainda mais dando lucro a produtores que realmente não estão interessados em nada disso, mas sim, no retorno financeiro e comercial da película?
A resposta do roteirista e diretor estreante Neil Blomkamp e do produtor (e conhecido) Peter Jackson é o excelente District 9 (Distrito 9 no Brasil, em Outubro).
Na história, uma nave mãe gigantesca chega à Terra, sem mais nem menos, causando comoção e alarde. Ao contrário dos filmes-catástrofe (que insistem em colocar em foco cidades como Nova York ou Los Angeles, pessoas bonitas pulando de explosões e os aliens – geralmente monstros destruidores de planetas – destruindo tudo), “estaciona” bem acima da cidade Sul-Africana de Johanesburgo. Logo, os passageiros da nave são descobertos. Milhões de extraterrestres parecidos com “caranguejos humanóides”. Doentes e desnutridos. Ninguém sabe como e por que chegaram.
Acabam sendo alocados em locais parecidos com assentamentos. Os assentamentos, no decorrer dos anos se tornam favelas. A favela é cercada e chamada de Distrito 9 de Johanesburgo (um tipo de “Cidade de Deus” sul africana, onde o Zé Pequeno é Nigeriano e os moradores são seres parecidos com camarões…).
Os seres humanos começam a não querer os aliens (“camarões” como são chamados – pejorativamente) por perto e um re-assentamento é planejado para um local parecido com um campo de concentração.
O clima de segregação racial é enorme. É como um passeio no Harlen.
A descrição acima se refere aos primeiros cinco minutos de filme que em tom documental, narra a chegada e segregação dos aliens sem firulas. Parece que estamos assistindo a uma reportagem do Fantástico. O filme começa mesmo quando a equipe responsável pelo re-assentamento, liderada pelo covardão e burocrático Wikus Van De Merwe, precisa entrar no Distrito 9 e colher as assinaturas dos aliens para poder despejá-los. É como se Blomkamp estivesse jogando nossas próprias fezes no ventilador. A cena em que uma personagem negra diz que não quer os aliens por perto é tão ácida quanto sutil. Alguém se lembra de algo chamado Apartheid?
A partir daí as coisas dão errado, e um grande filme de ficção cientifica, ação, drama e crítica social começa a se desenvolver. Tente não suar as mãos nas cenas em que Wikus, está numa sala de testes de armas alienígenas preso como um rato de laboratório e sendo obrigado a fazer coisas terríveis, tente não se imaginar jogando Gears of Wars na infiltração ao hospital ou ainda tente não levantar da cadeira e gritar em alto e bom tom um “P**** que o pariu!!” em toda magnífica sequencia de ação que leva ao clímax. Falar muito mais do roteiro é entregar o ouro. Assista, tire suas próprias conclusões e queira um segundo tempo.
Tecnicamente, o filme é soberbo. Blomkamp sabe manejar uma câmera. Os enquadramentos fazem questão de sempre manter duas linhas de ação. Uma na frente e outra no plano de fundo. Uma complementa a outra. O sistema de câmera na mão documental torna a história mais emocionante e real sendo que certa cenas parecem ter sido feitas em um único take. Os aliens, as naves e as armas são excepcionalmente reais, mostrando uma computação gráfica de ponta. A violência, para os mais sádicos é arrepiante, com direito à pessoas explodindo e sangue jorrando na câmera. De se grudar na poltrona.
Mas o grande trunfo do filme (além do roteiro amarradíssimo e dos aliens incrivelmente realistas) é o personagem principal. Wikus é a personificação do ser humano normal. Covarde, egoísta e frouxo, temos o privilégio de ver sua transformação no decorrer do filme em “algo mais”. De um “loser” completo a um “Bad Ass Motherfucker”. O ator Sharlto Copley faz um papel interessantíssimo e bem construído. Tente não odiá-lo e amá-lo ao mesmo tempo. Poucos filmes nos ligam de tal maneira aos personagens principais (e os dois aliens, o pai e filho se incluem nisto) como District 9.
Com seu filme de estréia, Blomkamp nos diz (ao mesmo tempo) que a humanidade está perdida e que ainda nos resta uma esperança. Cabe a você leitor, escolher uma das duas interpretações. Mas uma coisa é certa: District 9 é um dos melhores filmes de 2009. E isto, não possui dupla interpretação.
Apenas uma ressalva, a versão que nós assistimos possuía uma legenda um pouco estranha, onde alguns termos como “Chama o pessoal do BOPE” e “O alien está dentro do Caveirão” ofuscaram um pouco o brilhantismo do filme, mas nada que prejudique o trabalho de Blomkamp e Jackson.