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Direto de Hollywood – Onde Vivem os Monstros

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Por Fábio M. Barreto

“Que a bagunça real comece e cada um reencontre sua infância da melhor maneira possível”. Spike Jonze transforma brincadeira de criança em coisa séria, mas com espaço para a imaginação.

Olhar com clareza para nossa índole parece tarefa complicada nos dias de hoje. Tecnologia, pressão e necessidade constante de manter aparências afasta os homens de sua verdadeira essência. Um deles resolveu pensar o contrário, e dirigiu Onde Vivem os Monstros: Spike Jonze. Tomou a obra de Maurice Sendak por empréstimo e mergulhou em seus próprios medos, aspirações e enfrentou, com pavor e coragem, sua natureza monstruosa. Doce ou pavoroso, seguro ou desesperado, incerto ou arrojado. Tudo isso é Max, tudo isso é Jonze, tudo isso é cada um de nós. Facetas dum mesmo indivíduo tomando vida numa terra idílica, mas cruel, e é lá Onde Vivem os Monstros. Um clássico instantâneo, que chega em Janeiro aos cinemas brasileiros.

Maruice Sendak ilustrou belissimamente a história de Max, um garoto malcriado que, depois de ameaçar comer sua mãe, ficou de castigo e sem jantar. Vestido com sua roupa de lobo, o garoto vê o mundo a sua volta se transformar numa floresta pouco amistosa e, partindo em jornada, encontra uma ilha curiosa e habitada por monstros assustadores, desesperados para devorar garotinhos perdidos. Max os sobrepuja e se torna rei. É um conto simples, feito para crianças, facilmente instigadas pela arte de Sendak e as inúmeras possibilidades daquele mundo com pouca fala, mas muita espontaneidade e emoção latente.

A versão de Onde Vivem os Monstros é igualmente simples. Talvez por isso frustre o espectador mais afoito por conta dos belíssimos trailers, ou o marmanjo que cresceu às voltas com o faz de conta em tons pastel de Sendak. A cinematografia de Jonze é pessoal, sempre foi. Corteja o surrealismo com Quero Ser John Malkovich e quebra aparências em Adaptação. Dirige pouco, mas quando o faz carrega forte mensagem e objetividade. O tema constante é a auto-análise. Em vez da posse bizarra do corpo de Malkovich ou as viagens entorpecidas de Meryl Streep, o diretor mostra seu lado ingênuo, mas nem por isso indefeso, ao ampliar o aventureiro Max na película. Nesse mundo, tudo está exposto de forma irrevogável. Seja o conflito familiar, seja a realidade alternativa em meio aos monstros ou, no original, “coisas selvagens”.

Criativo e incompreendido, Max reage extremamente a um ambiente familiar conturbado carente de atenção e sem caminho certo. Pouco disso é dito, mas intensamente mostrado pela brilhante interpretação de Max Records, promessa aos 12 anos de idade. A câmera é subjetiva, valoriza cada criação do personagem, amplia sua percepção e reações. É um rompante emocional de difícil compreensão. Poucos diretores se prestam ao ato de encarnar os anseios infantis com tamanha dedicação, por isso, causa espanto. Não há espaço para explicações, há apenas o fato. Ação e reação. Max é o maior de todos os monstros e não sabe lidar com as pessoas não-monstruosas.

Morde a mãe e inicia sua jornada fundamental. Encontra um lugar sombrio, povoado por criaturas estranhas. Não entende muito bem aquela dinâmica, procura algo familiar ou conceito capaz de promover sua entrada na nova sociedade. Eis que se depara com os Monstros do título. Calados e anônimos no livro, com caráter extremamente definido no filme. A estrutura é clara: cada um deles é um aspecto de Max; ódio, criatividade, medo, compaixão, agressividade, carinho, derrotismo, tudo está ali, em cada um dos monstros. Max precisa perceber isso por conta própria, especialmente em seu relacionamento com Carol (James Gandolfini), que faz dele o novo Rei – os anteriores foram devorados!

Jonze optou por uma mescla de atores com quem trabalhou em seus dois filmes – Chris Cooper (Douglas) e Catherine Keener – e alguns nomes surpreendentes – Paul Dano (Alexander), de Sangue Negro; os veteranos Catherine O’Hara (Judith) e Forest Whitaker (Ira), além de Mark Ruffalo. Lauren Ambrose é o maior destaque, perfeita na maternal e carismática KW. Muitas pessoas, muitos monstros, um objetivo: encontrar a felicidade ou simplesmente ser amado.

Onde Vivem os Monstros é um filme agradável aos olhos. Sua mistura de atores fantasiados com efeitos especiais funciona bem, sem causar estranhamento, permitindo à  história se desenvolver num ritmo envolvente e emotivo. É a vitória da individualidade de um diretor comprometido com o aspecto artístico de sua criação. Isso faz desse longa-metragem algo pouco convencional e praticamente não-comercial – fato compensado pela relevância cultural do livro em gerações de norte-americanos, um dos principais fatores responsáveis pela grande expectativa em torno do filme. As criaturas provocariam chacota, não fosse sua sinceridade e simplicidade.

História simples, personagens expostos – ainda assim passíveis de surpreender – e um desenvolvimento provocativo e pouco óbvio. Pode frustrar quem busca revolução argumentativa, e vai surpreender quem seguir os passos de Max: acreditar em sua imaginação e não ter medo de encarar seus próprios monstros. Mesmo que eles tentem lhe devorar. Marca por sua extrema capacidade de identificação, trilha sonora brilhante e sua clara luta pela liberdade de sonhar, amor e ser amado. Vai dividir opiniões. Fato.

Fábio M. Barreto é jornalista e correspondente brasileiro em Los Angeles. Além de trabalhar para as revistas Sci-Fi News, Movie e Atrevida, edita o site SOS Hollywood e concorre ao Prêmio PodCast 2009 com seu podcast, o SOSCast. Visite e vote!

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