Por Fábio M. Barreto
Em tempos de Crepúsculo, a chegada tardia de Deixe Ela Entrar nos cinemas brasileiros mostra como vampiros ainda podem tratar a puberdade de forma séria, relevante e com boa cinematografia.
Assisti sem querer a esse filme sueco sobre vampiros. Ele integrou a seleção do Los Angeles Film Festival em 2008 e teve sala cheia em suas duas exibições. Diferente do grande interesse da comunidade de imigrantes locais – como observado em sessões com filmes coreanos e japoneses durante o evento – Deixe Ela Entrar atraiu diversos públicos.
Também pudera, a crítica oficial do Los Angeles Times `(patrocinador oficial do evento) elegeu o longa-metragem sobrenatural de Tomas Alfredson como um dos melhores filmes europeus da atualidade e, sem dúvida, o melhor produto exportação da Suécia na década. Sorte minha, pois não li a crítica e fui conferir por causa da sala cheia para Tropa de Elite e gostei da sinopse. Sorte mesmo, pois as surpresas continuam vivas mais de um ano depois.
Deixe Ela Entrar (Låt den rätte komma in, 2008, Suécia) merece todos os elogios descarados e, por vezes, exagerados. É um filme simples e assumidamente dramático. Relembra o espectador da função primordial do cinema: contar histórias. E faz isso com recursos dramáticos equilibrados, roteiro consciente e certeiro, e sem o auxílio da indústria milionária dos efeitos especiais.
Simplicidade é a palavra de ordem.
Muito mais próximo da realidade adolescente que pérolas comerciais como Lua Nova, cuja incapacidade emocional e irrelevância cinematográfica foge à compreensão, Deixe Ela Entrar aposta na insegurança e autenticidade da timidez de Oskar. Garotos falam pouco, ficam envergonhados facilmente e, especialmente na pré-adolescência, são mais propensos a ficar sem reação do que irromper com diálogos redundantes e deslocados típicos das produções do gênero.
Não importa se à sua frente está a garota de seus sonhos ou, no caso desse longa, uma vampiresa em forma de menina. O resultado é uma inusitada mistura de silêncio significativo, onde cada movimento tem relevância e a voz torna-se, em parte, desnecessária. É a arte do não dizer.
Quando Kristen Dunst irrompeu com seus surtos infantilizados em Entrevista com o Vampiro, criou-se a imagem da garota transformada em sugadora de sangue muito cedo e eternamente atormentada por seus desejos fúteis, mas nada disso foi transportado para o roteiro de John Ajvide Lindqvist (que escreveu o romance original).
Eli tem aparência infantil, mas pouco resta da distante juventude. Os anos pesam em seus ombros, assim como sua necessidade de continuar viva no mundo moderno, cada vez mais inóspito para seus hábitos alimentares. É um mundo de humanos desinformados sobre a existência dos vampiros, logo, há violência impactante. Ela precisa de sangue. Alguém tem que morrer.
Mas nada de névoas misteriosas, morcegos ou estratagemas para conquistar o mundo ou comandar a raça humana. Sobrevivência é o objetivo de Eli. Deixe Ela Entrar respeita as regras do gênero à risca. Não cede à tentação de reverter os conceitos e tentar ser original em termos de universo como True Blood ou mesmo Crepúsculo. O imaginário popular satisfaz as necessidades de Alfredson e Lindqvist. E também livra o filme de problemas por conta de suas invenções.
Afinal, o que importa são as relações entre Eli e Oskar, e as conseqüências desse encontro na vida do garoto, constantemente hostilizado por valentões na escola.
É uma pequena jornada de auto-descobrimento num microcosmo social. O elemento fantástico entra na dança como tempero adicional, quase um romance mainstream de Stephen King. Retire o vampiro e o drama permanece válido e bem executado. Deixe Ela Entrar é belíssimo e optou por muitas cenas noturnas, mas claras e cheias de luz. Ou cores, especialmente pelo contraste do céu escuro com a neve sempre presente.
São dois mundos diferentes, um possível paralelo com os personagens. E, de mesmo modo, se cruzam e completam para formar o cenário/relação. Uma parceria quase simbiótica e inevitável a partir do momento em que se encontram.
Mais uma vez o ditado se faz presente: as coisas mais simples são as mais efetivas. Esse é o caso desse longa-metragem pouco pretensioso que ganhou as manchetes de cinema mundo afora, levou seu diretor para a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e conquistou imediatamente os aficionados por um gênero sempre presente, mas distante de seus grandes momentos no cinema desde que Willem Dafoe encarnou Nosferatu em A Sombra do Vampiro. Inesquecível e imperdível.
Fábio M. Barreto é jornalista e correspondente brasileiro em Los Angeles. Além de trabalhar para as revistas Sci-Fi News, Movie e Atrevida, edita o site SOS Hollywood.