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Nine – Um musical que homenagea Federico Fellini, mas decepciona como filme

Por Thiago Brito

Em Nine, enquanto enfrenta a crise dos 40 anos, o cineasta Guido Contini luta para ter harmonia em sua vida pessoal e profissional, às voltas com sua esposa, sua amante, sua musa, sua figurinista e confidente, uma jornalista, uma prostituta e sua mãe.

Um dos maiores problemas de comentar Nine é exatamente o meu problema em redigir esta crítica: a sombra de 8 e meio. Ficaria feliz em não ter que chamar atenção para o filme de origem, mas a refilmagem de Rob Marshall, a partir de uma peça da Broadway de 1984, quase me obriga a isto. Se a princípio o filme pode aparentar ser uma homenagem a Federico Fellini, logo vamos percebendo que se trata de uma diluição.

Ok, volta e meia fala-se de diluição ou mesmo de cópia. Termos cabeludos, esquisitos e complicados, eu sei. Então, para facilitar meu trabalho, digo que a diluição ou mesmo a cópia é quando determinado esforço artístico mira apenas o efeito sem a devida construção. Ou melhor, se determinado plano foi criado para atingir determinado objetivo, a cópia seria apenas a repetição do pronto acabado, se furtando todo o trabalho da elaboração e construção.

Deste modo, embora possa passar batida algumas vezes, existe uma certa tendência à saturação, já que é uma repetição que não sabe se recriar, regenerar e vir com cara e força novas, tornando-se um verdadeiro chute no saco. Trocando em miúdos, eis o problema de Marshall.

Enquanto o filme de Fellini pregava uma plena realização do diretor como força motriz da realização artística, não poupando escrúpulos para o que acreditava ser sincero, a mola que sustenta o filme de Marshall é a da prerrogativa do espetáculo.

“antes de tudo um filme que não consegue se condicionar.”

Como o diretor, preocupando-se mais nos efeitos que determinado plano pode alcançar, não se preocupa em desenvolver minimamente sua cadência narrativa, ou mesmo os meandros e conseqüências psicológicas que sua história contém, não condiciona o público a participar do próprio evento, esperando que todos os movimentos desordenados dentro do quadro sejam o suficientes para acalmá-lo.

Ao invés de revestir e ir dispondo com sensibilidade seus elementos, a narrativa corre como se desejasse desesperadamente seguir as indicações do roteiro. E quando eu digo roteiro eu estou me referindo ao filme de Fellini. Parece que Marshall foi filmando olhando numa tvzinha o que acontecia depois no filme, se preocupando em mais ou menos dar cabo de todas as cenas, sem olhar bem para o filme que estava diante de si, que estava desenvolvendo. E, infelizmente, toda a noção de glamour do filme é um tanto off, qualquer ser humano já viu coisas mais bem feitas em séries.

Mas tem coisas muito piores que isso. Primeira coisa que vou ressaltar, pois é uma questão séria pra mim: se você vai por uma cambada de americano como se fosse italianos, para que?! Para que colocar todos eles falando com sotaque macarrônico? Nunca entendi isso.

Se eles já não são italianos, que falem inglês normal, oras! Italiano é uma coisa, inglês macarrônico é outro, ponto. Além disso, o próprio pudor e conservadorismo do filme é um tiro no pé claro. Uma das grandes forças de Fellini era sua figura um tanto transgressora e crítica a moral e costumes clássicos italianos, utilizando-se da vulgaridade com certa propriedade. Mas Nine, ao contrário, se provou o oposto disto, apostando em cenas caretas. E, verdade seja dita, é possivelmente o musical com os piores números musicais da história.

No entanto, a solução final do filme caiu bem. Lá está Guido, sentado em sua cadeira de diretor, tendo atrás de si toda a sua história e diante de si o filme que quer filmar. Aí a grande diferença: Oito e Meio era o filme de Guido, o final apenas reitera o próprio título – ao não saber o que criar, Guido criou, sua vida faz parte e é, em última instância, seu filme. Mas o Guido de Rob Marshall, não.

Não consegue criar em turbilhão, perde-se nele. Precisa de calma, precisa saber objetivamente o filme que quer fazer. E o filme que assistimos não é o filme que ele fez. É apenas o registro de seu fracasso.

Thiago Brito editor de cinema do Com limão no Rio de Janeiro. Graduado em cinema, acredita que será hawksiano até o fim dos tempos.

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