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O que define o Game do Ano? Nenhum atributo de Black Myth: Wukong

Disputas comerciais e muito mais. As polêmicas por trás da escolha de Astro Bot como GOTY 2024, ao invés de Black Myth: Wukong

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O que define o Game do Ano? O número de vendas? O melhor gráfico ou enredo? Talvez a opinião popular? No caso do The Game Awards, principal premiação do setor, parece que nenhum destes fatores são levados em conta para escolher o Game do Ano (GOTY)… pelo menos não em 2024.

Sem clubismo ou qualquer opinião pessoal, olhando de forma bem técnica, Astro Bot receber o GOTY 2024, ao mesmo tempo que concorre com Black Myth: Wukong, é um absurdo. E não sou eu que falo isso, são os números. Se olharmos para trás, a categoria já teve vencedores de peso, como The Witcher 3: Wild Hunt (2015), God of War (2018), Sekiro: Shadows Die Twice (2019), Elden Ring (2022) e Baldur’s Gate 3 (2023). Isso sem contar The Legend of Zelda: Breath of the Wild (2017) e It Takes Two (2021).

Em novembro de 2024, a Sony afirmou que Astro Bot havia vendido 1.5 milhão de cópias em 9 semanas. Já Wukong vendeu 10 milhões de cópias em apenas 3 dias! Lançado em agosto de 2024, o título chinês atingiu, em outubro, mais de 20 milhões de cópias vendidas apenas na Steam.

Em termos de sucesso financeiro, Wukong teve investimento de RMB 400 milhões (algo em torno de 55 milhões de dólares) em sua produção, atingindo o payback (tempo necessário para recuperar seu investimento inicial) em apenas dois dias. Com pouco mais de dois meses de lançamento, Astro Bot não conseguiu chegar nem aos 3.5 milhões de cópias de Final Fantasy XVI, volume atingido nos primeiros 3 dias de lançamento.

O volume de vendas dos primeiros três dias de FFXVI é o mesmo do que Balatro, jogo “indie” que concorria ao GOTY, atingiu em 10 meses. Além disso, até mesmo a DLC de Elden Ring, “Shadow of The Erdtree”, atingiu mais de 5 milhões de cópias nos três primeiros dias (e, apesar de não concordar com uma DLC concorrendo ao GOTY do ano, precisamos entender as vendas da expansão da Bandai Namco pois ela era um dos indicados ao prêmio). Em resumo, Astro Bot está longe de ser um sucesso de vendas, mesmo sendo um jogo de um só console.

Olhando o aspecto visual, Astro Bot é quase que uma expansão de um jogo gratuito da Sony sem grandes novidades. Apesar de atingir 94 no Metacritic, o jogo não traz nada de inovador. Já Black Myth: Wukong é uma obra prima com cenários belíssimos e baseado numa mitologia chinesa riquíssima. Apesar de tudo isso, o game chinês ficou com uma nota bem abaixa no Metacritic, atingindo apenas 81 pontos.

Olhar para a pontuação da Metacritic como um fator decisivo é algo tão raso quanto o GOTY de Astro Bot. O Game do Ano deveria levar em conta não apenas o sucesso financeiro ou o aspecto visual, mas também o que aquele game representa para a comunidade de modo geral. Wukong tem sua história inspirada no épico literário chinês “Jornada ao Oeste” e na trajetória do rei macaco Sun Wukong. Para representar os cenários, a Game Science reconstruiu digitalmente 36 sítios arquitetônicos antigos, sendo 27 localizados na província de Shanxi, norte da China.

Com montanhas, como a Wutai, e a Cidade Antiga de Ping Yao na lista de Patrimônio Mundial da UNESCO, os cenários de Wukong possuem um efeito transformador, que muito discutimos quando falamos se os games são arte ou não; ou se deveriam ser comparados ao cinema. Além disso, com o sucesso de vendas do jogo, ele se transforma em um propagador de turismo da região chinesa. Eu diria que, dar o prêmio de jogo do ano para Astro Bot, quando temos um Wukong na disputa, é o mesmo que dizer que os games são apenas “joguinhos”. Ele vai contra tudo o que a indústria tenta mostrar de valor dos games.

Mas talvez exista uma discussão mais profunda em premiar Astro Bot, ao invés de Black Myth: Wukong: As disputas comerciais entre EUA e China. Apesar de Astro Bot ser produzido por uma oriental, a japonesa Team Asobi, um estúdio original da Sony Interactive Entertainment; Wukong representa o nascimento de um moderno ecossistema de produção chinesa de jogos AAA.

Vale lembrar que este é o primeiro título triple-A da Game Science, estúdio formado por ex-funcionários da Tencent e que, posteriormente, em 2021, vendeu 5% da empresa para a gigante chinesa. Além disso, segundo analistas financeiros, Wukong tem um efeito spillover (ou seja, que vai além do game), impactando no crescimento econômico chinês; que passa desde o impulsionando a demanda por componentes de computadores, processadores, placas gráficas, vídeos e som, até a promoção do turismo interno e a criação de vagas para o crescimento de um ecossistema de produção de jogos AAA.

Diferente dos jogos anteriores feitos por empresas chinesas, o lançamento de Wukong representa o nascimento de um moderno ecossistema de produção chinesa de jogos AAA, caracterizado por elevado orçamento, longo tempo de produção, grandes equipes, complexidade cinematográfica, realismo nos cenários e diversidade cultural. Até então, esse tipo de produção AAA era dominado por empresas americanas, europeias e japonesas, associadas a PlayStation, Xbox e Nintendo.

Hsia Hua Sheng, vice-presidente do Bank of China (Brasil) e professor associado de finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV- EAESP), em sua coluna no MoneyTimes.

O GOTY deveria ser algo muito mais pensado nos impactos spillover de um game, do que uma simples escolha de seja lá qual for o critério raso para a sua escolhe. Porque o GOTY para Astro Bot foi exatamente isso, uma escolha rasa, sem grandes critérios aparentes e transformando em realidade um grande meme da comunidade gamer, que duvidou que o jogo da Sony poderia ser ganhador do prêmio; mas novamente foi surpreendido.



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