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Especial Terror – O Açougue-Enfermaria: Entrevista com a Ilustradora Camila Torrano

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Por André Meister

Todo filme de terror que se preze, seja de zumbi, vampiro ou lobisomem, tem a clássica cena do último momento, em que há a ressurreição do famigerado assassino. E como este é um especial de terror, resolvemos trazer de volta uma ilustradora, que ano passado arrepiou os leitores do Com Limão. Estou falando de Camila Torrano e seu Açougue-Enfermaria!

André:  Nome, idade e um filme de terror.
Camila: Camila Torrano. Isso não se pergunta a uma morta-viva e A Casa dos 1000 Corpos. Mas pedir para falar um filme só é sacanagem, mas gosto particularmente desse, porque claramente o diretor é alguém que entende do assunto e, melhor, não tem medo de fazer uso dos clichês.

A: Primeiro de tudo, o que veio primeiro? O terror ou o desenho?
C.: Praticamente ao mesmo tempo. Na verdade eu não sei por que comecei a desenhar. Foi algo meio natural quando colocaram um lápis nas minhas mãos. Mais tarde, ele se tornou instrumento para “materializar” as histórias que vinham à minha cabeça, os personagens, etc. Eu lia Turma da Mônica e histórias de assassinato em paralelo e ninguém se excluía – cada um tinha um encanto.

A Mônica me divertia e trazia as soluções adotadas para contar uma história, os recursos para expressar algo (como onomatopéias), estilos de desenhos. O terror também veio naturalmente. Claro que na época eu não entendia porque diabos eu lia tantos contos de Terror, sabendo que ia dormir com medo.

Acho que era o mistério que me atraía. Já depois, foi a Morte que me despertou uma fascinação absurda. Não foi exatamente ao mesmo tempo. Afinal, eu sabia que estaria em apuros se fizesse cenas de sangue e minha mãe visse!  Aliás, procura ver os desenhos do Eli Roth quando criança. Eu chorei de rir!

A.: Esse interesse sobre a morte é um simples fascínio ou algo religioso?
C.: A Morte, no início, era algo místico, até porque eu não tinha idéia do que era de verdade. Parece bobo, mas na minha cabeça, era algo muito abstrato, ao passo que me era muito impactante ver personagens morrerem.

Tinha um que era sobre uns bichinhos da floresta e me chocou muito quando um deles morria num incêndio. Para crianças em geral aquilo era a vida, para mim era um “Caramba! Ele morreu! O que é isso??”

Acredite ou não, mas a morte só tomou corpo para mim há uns 3 ou 4 anos.

A.: Você tem algum desenho, então, da Morte?
C.: Eu não desenho a Morte. Acho que a única coisa que consigo pensar é que ela é uma mulher belíssima. Mas bela, não “atração fatal”. Para mim, ela é muito acima disso. Tenho uma relação de respeito enorme pela Morte. Na verdade, eu não gosto nem de pensar nela em forma humana. Para mim, nem Deus (se existe) deveria ter forma humana.

Fiz primeira comunhão, família católica, todo o clichê completo, mas em momento algum dizia-se o que era a Morte. “É uma passagem para o outro lado, você vai pro Céu ou pro Inferno”. As pessoas só falam no depois, ninguém fala no momento. A única representação que eu tinha da Morte na cabeça é a clássica: uma caveira vestindo um manto negro. E essa figura me chamava a atenção, pois ela continuava enigmática.

A.: Como você acha que é interessante aplicar a violência em um trabalho artístico?
C.: Violência por violência é a vida real! Isso não tem graça. Aliás, gosto de tudo isso (sangue, violência e terror) exatamente porque eles estão no plano da ficção. Parece idiota falar isso, mas percebi que isso me difere de algumas pessoas.

Pessoas que conseguem rir de um vídeo que mostra alguém sendo torturado e/ou morto de verdade. Eu lamento. Sei que me meto numa sinuca quando falo que lamento a banalização da violência da sociedade atual, enquanto estou na fila do cinema para ver Saw. Achei engraçado que o Tarantino tenha a mesma opinião.

A: Como você vê esse mercado da ilustração, principalmente para alguém como você que leva um tema tão difícil de casar?
C: A demanda profissional pelo terror vem mais de fora do país. A única vez que me pediram aqui foi a revista Mundo Estranho, para uma matéria sobre Vampiros. Até semestre passado trabalhava como a grande maioria dos ilustradores: de freelance.

A.: O que você diria para um aspirante a ilustrador de terror estudar? Não só artistas e referências visuais, mas quais os tipos de tema a abordar? O que ele tem que ler?
C.: Anatomia em primeiro lugar. Óbvio! Anatomia dos músculos, dos órgãos, esqueleto e tudomais. Ler contos  e ver filmes de terror e suspense. Eu diria para ler de tudo. Se você se foca em um só tema, a probabilidade de você ser previsível é muito grande. Aliás, é o que mais vejo!

A.: Qual é o seu processo de trabalho?
C.: Já é algo tão natural que é difícil dizer que tem um “Ah eu começo assim”. Eu vivo estudando de tudo, dos assuntos mais relevantes aos mais imbecis. Então por exemplo:

Fiz o trabalho O Circo e utilizei fotos 3×4. Fotos, principalmente antigas, me dão medo. Eu não sabia porque, até o momento em que um desconhecido me disse: fotos são mórbidas. E são!! Daí a partir disto, fui pesquisar fotos antigas.Você sabia, por exemplo, que era costume tirar foto de pessoas mortas em posições de vivas?

Um avô falecia de xis coisa. Daí, como memória você sentava do lado dele – que estava todo vestido bonitinho, sentado numa poltrona porque as pessoas o preparam assim – e tirava a foto. Não era algo mórbido, era uma homenagem póstuma. Têm fotos de famílias inteiras!

Dentro de representação da morte, fui parar nas esculturas funerárias góticas francesas dos séculos XIII e XV, onde tem uma bruta diferença na representação da Morte, e aí você percebe que a religião católica mudou como ela trata da morte e consequentemente você muda o pensamento de uma sociedade.

A.: Por quê enfermeiras?
C.: Por causa de Silent Hill 3. Acredite ou não, eu nunca havia reparado quão mórbido é um hospital e o quanto enfermeiras são divinas. Médicos são também, mas enfermeiras me chamam a atenção pela mistura de figura maternal, sagrada e maldita que têm. Não são gostosas, são divinas. A diferença é que elas podem realmente definir o rumo da sua vida.

A: Há uma relação de admiração pelo espectro feminino, então?
C.: É um campo que eu entendo, já que sou mulher. E também, algumas podem ser o espelho de algo que eu almejo ser, ou não gosto. Enfermeiras têm acesso à sua parte mais humana – ou seja, quando você não deixa de ser, por exemplo, um executivo bem-sucedido e passa a ser um sujeito com o mesmo câncer que um mendigo.

A.: Você mencionou o clichê. O clichê tem algum espaço hoje em dia, ainda?
C.: Clichê sempre tem espaço, é parte bem importante neste “mundinho” do terror a meu ver. O que seriam de alguns filmes sem a moça virgem que recusou sexo durante o filme todo e que acaba sobrevivendo? Correr e tropeçar bem na hora em que o assassino está nas costas? A burrice é mãe das vítimas na maioria dos assassinatos em filmes do gênero.

Sempre aparecerão filmes que serão muito bons a ponto de criarem um clichê. É só ver o terror teen. “Pânico” não seria nada sem clichês! Muitos filmes de terror ficariam com buracos nos roteiros se não houvesse algum tipo de clichê.

A.: Você tem algum artista de terror favorito? Por quê?
C.: Não tenho um “artista de terror favorito”… (pensativa) se chega perto disto, é o Masahiro Ito. Ele é a essência dos primeiros Silent Hill.

A.: Você ficou famosa em 2008 no Zombie Walk com as suas maquiagens. Claramente está muito original, passa muito bem o seu tipo de trabalho. Como você fez essa fantasia?
C.: (risos) Famosa?? Não sabia. Muito obrigada! Essa fantasia foi um projeto para uma matéria que cursei na faculdade – foi o jeito de juntar o útil ao agradável. Não sabia se seria bem aceita pois nem sempre meus trabalhos são bem-vistos na faculdade, mas a maior surpresa nem foi a cara de nojo e horror das pessoas na Zombie Walk, mas os elogios que recebi na faculdade.

É uma mistura de pintura com modelagem, levou 2 meses para ficar pronta e o processo todo está no meu blog.

A.: Para finalizar, alguma músicas para inspiração?
C.: Tori Amos, trilha sonora de todos os Silent Hill.

André Meister é publicitário especializado em Ilustração e Concept Art. Além de escrever ‘O “Eu” Cotidiano’, é editor da editoria de HQ’s & Ilustração do Com limão.

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