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AVATAR - Um lugar para sonhar… e recomeçar

Por Fábio M. Barreto Ao longo dos últimos meses, tenho indagado meus entrevistados com duas perguntas interessantes e, embora soem tolas, se mostraram fundamentais na…

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Por Fábio M. Barreto

Ao longo dos últimos meses, tenho indagado meus entrevistados com duas perguntas interessantes e, embora soem tolas, se mostraram fundamentais na noite de quinta-feira, 17 de dezembro, na sala 6 do Mann’s Chinese, em Hollywood. Por conta dos efeitos da internet, do aumento das bilheterias de cinema e da, cada vez maior, penetração da linguagem visual no modo de se comunicar de nossa sociedade, fiz essas perguntas: “o cinema tomou o lugar da literatura quando se trata de espalhar conceitos e idéias? e “perdemos a capacidade de assistir a um filme pelo que ele é, já que marketing é tudo hoje em dia?”

Em resposta à primeira pergunta, Denzel Washington contou, semana passada, que obstante ao sucesso do cinema, ele continua lendo e acredita que isso não vá mudar, mas são as adaptações que, realmente, espalham a mensagem dos livros. Mas foi um argumento à segunda questão que me intrigou. Conversei com Robert Rodriguez na última segunda-feira, dentro do Troublemaker Studios, e ele definiu a situação de forma curta e perfeita: “entro num cinema e faço de conta que sou uma criança de 12 anos e deixo o filme me surpreender”. Sem querer, havia aplicado o método Robert Rodriguez a AVATAR, projeto dos sonhos de James Cameron, que estréia hoje em todo o mundo. Porém, com um custo alto: isolamento.

Depois de encarar um 2008 sobrecarregado com gargalhadas coringuescas por conta de O Cavaleiro das Trevas, e mesmo assim tendo me maravilhado pelo filme; e de ter sofrido com a frustração extrema de O Exterminador do Futuro – A Salvação; era hora de deixar o marketing de lado e confiar nos diretores.

Por (in)felicidade das circunstâncias, fiquei de fora da divulgação de AVATAR – por sorte, entrevistei Sigourney Weaver por conta de outro projeto – e optei por não me informar sobre o filme. Minha paixão pelo cinema começou por conta de um trailer – O Retorno de Jedi – e não precisei de nenhuma campanha de marketing para transformar a telona no meu paraíso particular. Os deuses da Sétima Arte estavam ao meu lado, mesmo sem eu saber. Aliás, confesso, nutria grande dúvida e insegurança quanto ao resultado do novo trabalho de James Cameron.

Após um começo descontraído, com um dos presentes gritando “finalmente! 20 anos depois!”, travei meu primeiro, e ideal, contato com AVATAR. Belíssimo, levemente vertiginoso – culpa dos irreparáveis óculos 3D customizados produzidos pela Coca-Cola & RealD – e com trilha sonora encantadora. Eis que o planeta Pandora irrompe na tela, com os primeiros elementos de uma história aparentemente básica. Um irmão genial morreu. Seu gêmeo, militar resoluto, toma seu lugar. Jake Sully surge. É o herói. É Sam Worthington. Nosso guia por um novo mundo – de visual arrebatador e de poder emocional ao mesmo tempo sublimar e irresistível.

E é em sua história que reside a grande surpresa de AVATAR. Claro que visualmente é marco tecnológico e, até certo ponto, revolucionário, mas essa discussão se torna redundante a partir do momento que você, caro leitor, se ver diante daquele deslumbre cinematográfico. Uma mescla das duas perguntas mencionadas no início surgiu por volta da segunda hora de projeção. O público se vê diante de uma grande história – e não de uma história grande, importante ressaltar – com irrefutável atualidade e efeitos comportamentais que transcendem sua natureza cinematográfica.

Fosse escrita em formato de romance, a trama de AVATAR seria imediatamente comparada a As Duas Torres, de J.R.R. Tolkien, e, pior, ganharia a conotação de livro para ambientalista ou pagão deslumbrado. É a dura realidade de uma cultura dependente da referência obrigatória, incapaz de se desligar como a criança escondida na mente de Robert Rodriguez, e do ciclo dinâmico de opiniões da internet que não afetam Denzel Washington, mas que, cada vez mais, divulgam seu trabalho.

A saga do povo Na’vi entra imediatamente para o rol de lições de moral brilhantemente aplicadas pela ficção científica, único gênero no qual um ateu convicto pode ser tão efetivo e preciso quanto o mais pio dos religiosos, quando se propõe a ver o mundo sem nossas limitações e pré-conceitos.

James Cameron tomou o lugar uma vez ocupado por J.R.R. Tolkien, na era da literatura, e superou George Lucas de forma gloriosa na era do áudio-visual. Faz isso ao recuperar um argumento latente e urgente seja no trabalho de Tolkien, seja na complexa e longeva A Fundação, de Isaac Asimov: consciência. Por trás de toda a roupagem do militarismo – extremo, mas superficial – e do conflito entre duas raças, mentalidades se digladiam.

Seja o pensamento corporativo, já trabalhado pelo próprio Cameron em Aliens – O Resgate [lembram do personagem de Paul Reiser?], ou a descarada paixão dos cientistas pelas belezas do planeta Pandora, nem mesmo os personagens percebem a verdadeira intenção por trás dessa história.

A floresta de Pandora é a mesma Galáxia Vida, de Asimov, assim como ambas são o mesmo espírito de Fangorn, de Tolkien. Um detalhe meramente visual ou alegórico para alguns, mas indispensável numa história relevante e inesquecível. O desenvolvimento desse conceito acontece de forma gradativa e secundária, mas seu ápice pode provocar emoções incontidas, especialmente quando ligado ao segundo tema principal: segunda chance. Unindo tudo isso, trata-se de uma segunda chance para a consciência. Tudo com grande valor dramático, explicando aí a indicação do filme ao Globo de Ouro de Melhor Drama. AVATAR falha ao empolgar em sua primeira hora de projeção, mas essa nunca foi sua premissa, em termos de roteiro, claro. Visualmente a audácia é imediata.

Comparar James Cameron aos mestres previamente citados é algo arriscado, mas tal mérito surge justamente do arrojo compartilhado por todos eles. Entretanto, diferentemente de Tolkien e Asimov, Cameron será julgado imediatamente pelas bilheterias. Na internet, se espera o “melhor filme de todos os tempos”, no mundo offline, de acordo com a Fox, ainda há insegurança e as indicações ao Globo de Ouro ajudaram a acalmar os ânimos.

De tudo isso, uma certeza: é uma história memorável. Sem isso, toda a mistura de captura de performance, com CGI e as filmagens em 3D não passariam de exercício visual. E AVATAR é muito mais que um quitute apenas para os olhos. E o próprio ensina o espectador a compreender sua função

Os Naa’vi “se vêem” – muito além do sentido sensorial -, respeitam seus irmãos de consciência e aprendem que escutar e compartilhar o mundo a sua volta é tão primordial quanto ouvir a voz de seus ancestrais. O modo como eles mantém a conexão com os animais e sua deidade é poético e belo.

A vocação espiritual de AVATAR é grandiosa e não intrusiva. O pensamento está exposto na tela, aproveita quem quiser… e puder. É realmente uma cornucópia de conteúdos e mensagens, não necessariamente originais, mas apresentadas de forma revitalizada. Com a saturação de histórias e suas inúmeras aplicações no entretenimento moderno, fica cada vez mais clara a tarefa dos grandes contadores de histórias: reavivar temas relevantes e mantê-los atraentes à sociedade.

Estamos diante de um novo mundo, provido com leitores digitais de livros e a cultura do IPod, e resta à mais jovem das artes liderar o caminho em direção à percepção. Enquanto políticos discutem inconclusivamente o destino do planeta, James Cameron nos leva para o futuro – na metade do século 22 – e, sem uma bomba atômica ou ciborgue assassino sequer, alerta, assusta e conscientiza. Uma segunda chance é necessária.

Principalmente para a mente do espectador, incapaz de “ver” e indisposta a reaprender. Mestre Yoda já dizia: “você deve desaprender o que já aprendeu”. James Cameron entendeu o recado, George Lucas se esqueceu, e o cinema se encontra com um de seus gênios. Pandora é o novo planeta dos sonhos.

Um lugar para sonhar… e recomeçar.


Fábio M. Barreto é jornalista e correspondente brasileiro em Los Angeles. Além de trabalhar para as revistas Sci-Fi News, Movie e Atrevida, edita o site SOS Hollywood.



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