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EXCLUSIVO: O processo de design thinking da collab Apple + Snoopy no watchOS 10
Conheça detalhes da abordagem de design thinking por trás do novo mostrador interativo do watchOS 10 com Snoopy e Woodstock.
Conheça detalhes da abordagem de design thinking por trás do novo mostrador interativo do watchOS 10 com Snoopy e Woodstock.
O design thinking é uma abordagem centrada no ser humano, onde o processo prioriza a empatia, a colaboração e a experimentação para solucionar problemas complexos, tendo como objetivo final criar soluções inovadoras. Em uma conversa exclusiva para o Com limão, recebemos Eric Charles, Apple Watch Product Marketing; Paige Braddock, CCO da Charles M Schulz Creative Associates; e Gary Butcher, Apple Human Interface Design, que nos contaram como foram as etapas de design thinking, a parceria e o processo de desenvolvimento que resultou no novo mostrador interativo do watchOS 10 com Snoopy e Woodstock.
Em um movimento que combina nostalgia com inovação, as telas não são apenas um aceno para os fãs de Peanuts, mas também um testemunho do compromisso da Apple com o design intuitivo e interativo, que transforma o modo como nos relacionamos com os relógios inteligentes da marca. Em um dos redesigns mais significativos desde o lançamento da primeira versão do produto, o novo mostrador, que agora reage às condições climáticas, datas comemorativas e momentos do cotidiano, recebeu 148 animações únicas da dupla Snoopy e Woodstock, criados por Charles M. Schulz.
Trazer Snoopy e Woodstock para a tela do Apple Watch também é uma etapa que passa pela história do design de relógios e mais uma relação duradoura entre marcas. Há um profundo legado relojoeiro de Snoopy aparecendo em mostradores desde o início dos anos 50; até mesmo em relógios de luxo, como o Omega Speedmaster (modelo de relógio utilizado pelos integrantes da Apollo 13 e que ganhou uma versão especial, pois Snoopy foi escolhido como mascote da NASA na década de 1960). Além disso, o Apple TV+ é a casa oficial de todas as novas séries animadas originais e especiais, além de documentários e clássicos Peanuts.
Outro aspecto interessante (e diferente) sobre Peanuts é que, normalmente, personagens animados possuem diversos criadores. Já o Snoopy é a criação de um único artista, Charles Schulz, e ele tem ações, pensamentos e interações muito únicos e específicos em relação ao mundo. Trazer um personagem como este para os relógios inteligentes vai além da modernização de um legado relojoeiro, é um processo de transição de design.
Uma das razões pelas quais o time envolvido se manteve tão próximo das tiras de quadrinhos foi porque realmente queriam manter o DNA tão específico de Snoopy e o processo manual das artes que divertiram inúmeros fãs pelo mundo.
Apesar de alguns modelos colocarem a “empatia” como primeiro passo no processo de design thinking, acredito que você não consegue se colocar no lugar do outro sem uma “imersão”. Um exemplo claro desta etapa é a existência de vestimentas de simulação de envelhecimento e de gravidez, que tentam recriar os desafios de um corpo idoso ou de uma gestante, para reforçar as sensações daqueles que buscam se colocar no papel destes públicos.
Antes de começarem a jornada de desenvolvimento, a equipe da Apple queria ampliar o conhecimento sobre tudo relacionado a Peanuts e estabelecer uma conexão mais profunda com a história da clássica tirinha. Para isso, realizaram uma visita ao estúdio e museu Schulz e se encontraram com Paige Braddock e sua equipe. Esse encontro marcou não apenas o início de uma relação formal e maravilhosa para o projeto, mas apresentou para equipe da Apple a importância do legado deixado pelo criador do Snoopy.
“Estávamos muito cientes do potencial da conexão emocional. É algo em que nos concentramos muito durante o desenvolvimento dessas animações. Era importante para nós permanecermos fiéis ao DNA do Snoopy”, afirma Gary Butcher, Apple Human Interface Design
Vale ressaltar que ninguém melhor do que Paige Braddock para demonstrar este legado. Contratada pelo próprio Schulz, em 1999, então para trabalhar como ilustradora das tirinhas, a cartunista é a atual diretora criativa da Charles M Schulz Creative Associates, ganhadora do Emmy Awards pelo documentário “Who Are You, Charlie Brown?”, e indicada ao Prêmio Eisner por uma produção autoral (Jane’s World, criação de Paige, é a primeira história em quadrinhos com personagens lésbicas e bissexuais a receber distribuição online por um sindicato de mídia nacional nos EUA).
Foram destes encontros, primeiro no estúdio Charles Schulz, no norte da Califórnia, e depois na sede da Apple, que nasceram os primeiros esboços do novo mostrador presente no watchOS 10. Sempre buscando equilíbrio e trabalhando com os pontos fortes de cada time — que também contou com a participação de Rob Boutier, produtor executivo da Wildbrain e diretor de animações como “Snoopy e sua turma”, “Snoopy no espaço”, entre outras.
Como citado no início do texto, os encontros entre este time multidisciplinar — envolvendo designers, ilustradores, animadores e programadores — resultou em 148 animações interativas únicas para o Apple Watch. Juntas, elas somam cercas de 12 minutos de animação do Snoopy e Woodstock na tela do relógio (para efeito de comparação, é mais longo do que um episódio de “Snoopy no Espaço: À procura de vida”, lançado em 2019 e disponível no Apple TV+, que contém em média 8 minutos).
Um dos desafios de idealizar um legado como o de Schulz e de Peanuts para novas mídias está em escolher qual década será utilizada como base visual. Principalmente quando o estilo e o formato dos personagens evoluíram tanto ao longo dos anos. Por exemplo, nos anos 50, Snoopy era muito mais como um cachorro comum. Ele andava sobre as quatro patas, latia, e a forma de sua cabeça e corpo eram mais similares à anatomia padrão de um cachorro.
“Trabalhamos com Peanuts em diversos produtos. Portanto, qualquer representação dos personagens em um objeto significa interpretar o trabalho de Schulz para um meio diferente. O relógio representou mais uma destas adaptações. Entendo que houve uma transição mais direta da tirinha para o relógio, já que buscamos incorporar elementos da tirinha diretamente no design do relógio”, afirma Paige Braddock, CCO da Charles M Schulz Creative Associates
Já nos anos 60, o Snoopy descobriu que podia andar sobre duas patas e até tinha pensamentos profundos. Podemos perceber que na última década a forma da cabeça e do corpo do Snoopy estavam muito mais arredondados e a linha tinha mais textura. Depois de decidir sobre a década, o próximo passo foi estabelecer a aparência do Snoopy. Mas, entre tantos formatos, qual escolher?
A opção final foi manter as animações do relógio o mais próximo possível dos desenhos originais. Com a oportunidade da nova mídia (neste caso, a tela do Apple Watch) ser muito semelhante ao formato tradicional, um quadro da tirinha — a semelhança existe até mesmo na proporção de quadrinhos e tela — foram extraídas várias sequências animadas diretamente das tiras originais de Schulz.
No entanto, ainda existia mais um desafio. Charles Schulz usava uma caneta pena muito específica e rara. Chamada Radio 914, esta caneta — feita pela Esterbrook — era do tipo que você tem que mergulhar em um frasco de tinta toda vez que for enchê-la. Com ela, Schulz conseguia criar uma linha que variava entre grossa e fina. Algo que foi reproduzido no digital de forma inteligentíssima e cuidadosa.
Outro passo importante do design thinking é a prototipagem. Esta etapa é um momento crucial no processo de inovação, pois serve como ponte entre a ideia conceitual e a realização de um produto. Nessa fase, ideias são transformadas em protótipos tangíveis, permitindo que os designers testem e refinem suas soluções em um ambiente controlado, antes de sua implementação final.
“Ao desenvolver os protótipos, utilizamos alguns materiais de storyboard fornecidos pela equipe da Wildbrain Studios. As animações que produzimos possuem 12 quadros por segundo. Embora esses materiais fossem inicialmente para revisão e ajustes, à medida que recebíamos os materiais finais aprovados, decidimos incorporá-los diretamente aos protótipos, e tudo funcionou perfeitamente. Estamos ansiosos para que nossos usuários se surpreendam e se encantem com ele”, afirma Gary Butcher, Apple Human Interface Design
Além disso, para trazer à vida quase uma centena e meia de animações interativas com Snoopy e Woodstock, esta etapa era essencial para identificar falhas e fazer os ajustes necessários, garantindo que o produto final não sofresse com interações estranhas. No watchOS 10, o valor da prototipagem foi evidenciado pela meticulosa atenção aos detalhes e na paixão pela autenticidade. Talvez utilizar uma tipografia pronta fosse uma alternativa, mas o time da Apple optou por trazer detalhes originais, muitas vezes feitos à mão e ainda indisponíveis no âmbito digital, resultando em uma experiência de usuário que ressoa emocionalmente e funcionalmente.
Para aqueles usuários mais observadores, é possível identificar alguns detalhes encantadores nas partes não animadas do mostrador do relógio, quase que easter eggs para os fãs de longa data. No watchOS 10 você pode personalizar o mostrador, escolhendo diferentes estilos de layout, como marcas ou numerais. Essas marcas não são apenas marcas, são na verdade os piados do Woodstock, originalmente criados nas tiras de quadrinhos de Peanuts.
Já os numerais são a tipografia desenhada à mão por Charles Schulz. A equipe da Apple teve a permissão de adaptar o número 1 e o número 2 em variantes, para que o topo do mostrador parecesse mais genuinamente desenhado à mão, em vez de copiado e colado digitalmente. Pode parecer um detalhe trivial, mas cada detalhe importa. São os detalhes que fazem este projeto ser tão encantador.
Mas o encanto não está apenas no visual, pois existe uma interação nunca vista antes neste tipo de wearable (tecnologia vestível), a interação dentro e fora do relógio. Um dos objetivos era ter o Snoopy e o Woodstock interagindo com o ponteiro dos minutos do Apple Watch. Por exemplo, o Snoopy pode se apoiar nele. Ele pode jogar coisas que quicam nele. Ele pode bater a vasilha nele quando quer comer. E ele pode subir nele para acenar para o Woodstock do outro lado.
Quando cada animação termina, o relógio retorna ao estado de exibição, sempre ativo ao abaixar seu pulso (e Snoopy aproveita para tirar uma soneca rápida). Além do Snoopy e Woodstock saberem onde está o ponteiro dos minutos e interagir com ele, os personagens também entendem certos contextos. Por exemplo, o Snoopy “sabe” como está o tempo e interage com o mostrador do seu relógio de acordo com o clima. Ele também coloca o seu equipamento de mergulho se você colocar o relógio na água. E, se você estiver se exercitando, Snoopy e Woodstock ficam ativos com você.
Além disso, por ser um relógio, Snoopy também identifica horário e data. Então, o personagem também vai comemorar o aniversário do usuário e decorar sua casinha para o Natal. Ou simplesmente acordar após uma boa noite de sono quando o usuário acorda. Estas funcionalidades criam um novo nível de conexão emocional com um relógio. Afinal, que outro relógio pode desejar um feliz aniversário?
Para aumentar as chances do usuário se surpreender com as diferentes animações do relógio, o time de desenvolvimento da Apple descobriu que poderia “simplesmente” rotacionar certas animações por 6 graus a cada minuto. Ainda que exista um complexo código de decisão por trás da dinâmica das animações, desenvolvido pela equipe de engenharia de software da empresa, a rotação dos personagens cria uma sensação de novidade.
Este pequeno efeito ilusório, somado a pequenas mudanças em alguns quadros, faz com que haja diferentes animações durante o dia, tornando as 148 animações em uma infinidade de possibilidades.
Outro aspecto trazido para o mostrador do Apple Watch é a paleta de cores. Chamada de “Sunday Surprise”, ela traz semitons de cinza de segunda a sábado, e explode em cores no domingo. Esta é outra referência direta às tirinhas originais, pois é a mesma paleta de cores que Charles Schulz usava para produzir as impressões.
Em uma era pré-digital, Schulz usava papel vegetal e lápis de cor para mostrar à gráfica onde e quais cores usar. Em seguida, ele escrevia o número correspondente da paleta de cores no papel vegetal para que a gráfica pudesse fazer a correspondência das cores. Basicamente, o papel vegetal colorido funcionava como um guia de cores. Apesar de parecer algo banal para os padrões modernos, esse era um processo muito trabalhoso para o artista e para a gráfica da época. Já no Apple Watch, esta paleta funciona para customizar o visual de acordo com o gosto do usuário.
“Os usuários têm uma ampla variedade de opções para atender a seus gostos e estados de espírito. A personalização é diversificada e flexível. No lançamento inicial [do Apple Watch], oferecíamos 10 categorias de mostradores, mas esse número já supera os 50 atualmente”, afirma Eric Charles, Apple Watch Product Marketing
Todo este processo foi possível também devido a uma questão física. O atual estúdio de design da Apple possui uma configuração única que reúne diversas disciplinas de design em um espaço aberto. Em um determinado momento do processo, esta dinâmica facilitou a criação de um gradiente de meio-tom perfeito, desenvolvido em apenas 20 minutos por um prototipador interno. Ele também transformou essa criação em uma ferramenta ajustável, facilitando todo o processo.
Como a Apple não utiliza ferramentas padronizadas e tudo é personalizado, desde o hardware até padrões de fundo digitais, este é o nível de perfeccionismo herdado da cultura criada por Steve Jobs. Esse nível de atenção aos detalhes, mesmo que pareça mínimo, é típico da abordagem da Apple. Pode parecer um detalhe trivial, beirando o obsessivo, apenas para criar um padrão de fundo estático ou uma interação de 5 segundos com o usuário, mas é o tipo de coisa feita todos os dias na Apple e esta abordagem de design thinking faz toda a diferença nos produtos da marca.