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Ervas Daninhas (Les Herbes Folles)

Por Thiago Brito Se eu pudesse resumir Resnais em uma palavra, eu diria que é um diretor coerente. Emprego esta palavra não com um sentido necessariamente valorativo,…

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Por Thiago Brito

Se eu pudesse resumir Resnais em uma palavra, eu diria que é um diretor coerente. Emprego esta palavra não com um sentido necessariamente valorativo, apenas gostaria de pontuar que a idéia de cinema do diretor, sempre bastante sofisticada, consegue se manter basicamente a mesma quase que desde seus curtas-metragens.

Seus filmes possuem sempre uma determinada aventura narrativa, onde uma forma é prevista e confirmada no ato da filmagem, nascendo finalmente na montagem. Resnais, um dos consagrados papas da modernidade cinematográfica, possui uma idéia de arte que eu diria nada moderna, a idéia da grande Forma, onde o ato de filmar, perdão pela reiteração, é mais uma comprovação do que necessariamente um espaço de experimentações e buscas.

Les Herbes Folles é mais uma demonstração desta, digamos, maestria. Estamos em um domínio em que tudo é elemento, no sentido de uma peça de tabuleiro. Remanescente da guinada dada na carreira do diretor a partir de Mêlo (1986), aquilo que reconhecemos como artifícios cinematográficos, tais como a iluminação, a interpretação, o movimento geral da mise-en-scène, são postos à claro, diante de nossos olhos, pedindo para que tenhamos uma paciência e aceite o confronto e desconforto.

Para que? Digamos que a missão do diretor é exatamente encontrar o possível sentimento que brote para além destes resíduos de ilusionismo, que sobreviva a seu próprio escancarar. Mêlo serviu como uma prova de que se seria possível, ou não, atingir determinado grau de emoção artística, mesmo com todo os artifícios cênicos postos basicamente à claro. No fim, nos restava a questão de como a experiência artística é realmente atingida, do por que continuamos a sofrer e se arrebatar perante o puro artifício.

Mas, voltemos ao filme em questão. A história geral gira em torno do improvável romance entre Marguerite Muir e Georges Palet. Marguerite tem sua bolsa roubada, e Palet encontra sua carteira ao lado de seu carro, no estacionamento de um shopping. Ao inspecionar a carteira, uma fascinação por Marguerite arrebata Palet, homem que passa por determinada crise existencial.

Imediatamente deseja conhecer Marguerite, certo de que um novo amor se desvenda, talvez um aceno de salvação. Esta, assustada com a insistência de Palet, à princípio se afasta, mas acaba sendo capturada pelo novo amor, que inesperadamente brota e se impõe. Este artifício do acaso, algo que Resnais anda reciclando em seus últimos filmes, acaba por disparar um fluxo de sentimentos e emoções que sobrepõe aos próprios protagonistas.

(o filme) …aparenta ser uma história de amor um tanto banal, mas recebe um novo tratamento

Assim, o que pode aparentar ser uma história de amor um tanto banal, recebe um tratamento que recorrer a rasgos e mistérios. As motivações dos personagens quase sempre permanecem obscuras, e suas reações por vezes beira a irracionalidade. Ao invés de tratar seus movimentos com clareza e pontualidade, Resnais recorrer aos princípios básicos da narrativa moderna, onde um sentimento de incompreensível (no sentido de ter em mãos), de algo que permanece além e misterioso, é posto em obra.

É evidente, o realizador não conduz sua narrativa de uma maneira radical, como se não pudéssemos compreender estas fissuras.

Ao contrário, tudo isto é pontuado para o espectador, que tem no diretor seu grande narrador: não, vocês não irão compreender completamente o que se passa, algumas das ações destes personagens são deliberadamente incompreensíveis, até mesmo inverossímeis, como se brotassem de uma instância interna da qual jamais teremos acesso.

Digo deliberadamente, pois isto advém da escolha narrativa do próprio diretor. Seu trabalho parte de planos detalhes, calmamente indo em direção ao rosto de seus protagonistas. A câmera possui o expediente de encarar a cena com determinada distância, escolhendo o que lhe convém. Daí a coerência completa da seqüência final, a diferença entre o fim da história e o fim do filme. Se é a câmera que desvela e narra, é ela quem escolhe realmente qual será a história e seus protagonistas.

Assim que estes se colocam como basicamente resolvidos, a câmera pode muito bem ir embora, buscar outra história e outros protagonistas, enfim, viajar e atracar aonde quiser.

Embora atinja muito bem seus propósitos, realizando outra obra sofisticada e interessante, penso em como o cinema de Resnais ainda sobrevive como proposta. Na verdade, todo o seu esforço soa um tanto quanto bem, forçado. Tanto sua idéia de forma quanto o paradigma do artifício (bastante forte na década de oitenta) mudaram consideravelmente em nossa era, onde o virtual toma um lugar antes apenas vislumbrado.

E, assim, o filme de Resnais se apresenta meio afastado, meio deslocado, sem realmente conseguir o apelo que acredito que o diretor desejasse. Um show do Deep Purple, a grande velha banda.

Thiago Brito editor de cinema do Com limão no Rio de Janeiro. Graduado em cinema, acredita que será hawksiano até o fim dos tempos.



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