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Especial Terror - Vivendo do passado cinematográfico
Por Felippe Martins É triste constatar que estamos na época mais pobre do cinema de “horror”. As produções de hoje, com algumas fantásticas exceções, são as…
Por Felippe Martins É triste constatar que estamos na época mais pobre do cinema de “horror”. As produções de hoje, com algumas fantásticas exceções, são as…
Por Felippe Martins
É triste constatar que estamos na época mais pobre do cinema de “horror”. As produções de hoje, com algumas fantásticas exceções, são as mais carentes em criatividade, roteiro e diversão em no mínimo 30 anos.
Ora, se estamos assistindo a um bom filme de horror, queremos nos arrepiar com as situações propostas na tela ou no máximo dar boas gargalhadas com os absurdos apresentados. Nos filmes de horror de hoje, se uma boa parte é voltada para o “torture porn” como os dois “O Albergue” e a infinita série ”Jogos Mortais”, outra parte acaba sendo direcionada para os consumidores de “enlatados” com filmes sem graça, sem sangue, sem criatividade, sem ousadia e ainda por cima PG-13 (classificação americana que permite maiores de 13 anos ao cinema) a censura dos filmes “economicamente viáveis”.
Além de estarmos em plena crise econômica, a crise de criatividade é plenamente visível quando somos submetidos a incontáveis remakes de filmes que no passado fizeram história e hoje são considerados como “trash”, como o famoso “Massacre da Serra Elétrica” de Tobe Hooper e “Noite dos Mortos Vivos” de George Romero.
Mas o problema acaba sendo maior do que simplesmente uma “grande crise de criatividade”. Explico.
Chamo nosso primeiro problema de “Efeito Sessão da Tarde”.
O leitor que se lembrar do clássico da Sessão da Tarde “Deu a louca nos monstros” (“The Monster Squad”, de Fred Dekker) entenderá o que quero dizer.
Na história, um grupo de crianças (crianças mesmo, não adultos sarados se passando por jovens, como hoje) enfrenta os monstros clássicos da Universal como Drácula, Lobisomem, Múmia, Monstro Aquático e Frankenstein.
Bem, não vou aqui esmiuçar o filme (que re-assistido hoje, me proporciona uma mistura de nostalgia e angústia por não haver mais filmes assim), mas o fato é que “Deu a Louca nos Monstros” era um filme que hoje teria uma censura 18 anos. Ora, na película, Fred Dekker nos apresenta crianças fumando, enfiando estacas no peito de vampiras seminuas, dizendo que não são virgens, pegando em armas de fogo, enfim, fazendo tudo que hoje é politicamente incorreto. E o filme não deixa de ser para todas as idades por isso. E muito menos deixa de ser uma grande diversão.
Muitas outras produções da década de 80 foram reprisadas à exaustão na sessão da tarde, sem cortes nem censura. Hoje, a situação é muito mais controlada. A censura (ao menos na TV aberta) mutila os filmes ao seu bel prazer e as distribuidoras nacionais acabam para conseguir maior público na bilheteria, mutilando no cinema filmes que deveríamos conferir na íntegra (como o acontecido com o recente Halloween, de Rob Zombie).
Esse efeito de censura está cada vez mais se verticalizando, não se resumindo mais só ao fato da emissora de exibição achar que deve cortar o filme para caber em sua programação, mas está começando direto da “raiz”, ou seja, do próprio estúdio. Se os diretores antes não possuíam tanto domínio criativo sobre suas películas, hoje, esse domínio simplesmente caiu para zero. Desse modo, podemos ter várias versões para um mesmo filme, uma do diretor, uma dos produtores (que fizeram cortes e refilmagens devido a orçamento e censura), a versão da distribuidora (que corta o filme para caber em determinada censura) e por fim a versão para a TV. Ao final de tanta mutilação, ninguém mais sabe qual é a versão correta de um filme até que seja lançada uma continuação.
Outra questão importante é a técnica mesmo. Nas décadas de 70, 80 e meados de 90, dada às limitações tecnológicas e orçamentárias, os cineastas eram forçados a realizar seus filmes na “raça”, fazendo quase perfeitos milagres com pouca coisa, mostrando enorme habilidade em dirigir filmes e realizar efeitos. Prostéticos, massa de maquiagem, sangue falso, bonecos, truques de câmera, tudo sem nenhum efeito digital. Simplesmente a computação gráfica era quase nula. Exemplos de filmes assim, feitos na raça e com “amor” são: “Enigma de Outro Mundo” (John Carpenter´s The Thing – 1982 dir. John Carpenter), “Re-Animator” (Re-Animator – 1985 dir. Stuart Gordon), “Zombie” (Zombi – 1972 dir. Lucio Fulci), série “Phantasm” (1979 – 1998 dir. Don Coscarelli), dentre centenas de outros. Hoje em dia, é muito mais simples e rápido realizar uma cena com sangue e efeitos em CG do que gastar um tempo com prostéticos e stop-motion. Mas é aí que o filme perde a “alma”. Assistam a dois filmes recentes: “Wrong Turn 2 – Dead End” (dir. Joe Lynch de 2007) e “Wrong Turn 3 – Left For Dead” (dir. Declan O’Brien de 2009). Um deles é 90% artesanal, o outro é 90% CG. Deixo ao leitor o interessante exercício de comparação.
Mas é claro que ainda existe criatividade e uma luz no fim do túnel, embora pequena, neste mar de mesmice. Alguns jovens diretores, que realmente sentem o “amor” pelo cinema de horror, felizmente continuam a realizar filmes com muita “alma”, criatividade e sangue. Dentre os novos temos John Gulager (da fantástica trilogia “Feast”), Jake West (de “Evil Aliens” e do novíssimo “Doghouse”), Edgar Wright (do cult instantâneo “Shaun of the Dead”), o francês Alexandre Aja (“Haute Tension”), o louco Takashi Miike (de “Audition”, “Ichi the Killer” e “Sukiaki Western Django”), os espanhóis Jaume Balagueró e Paco Plaza (de “REC”) e muitos outros.
Até alguns brasileiros também estão nesta velha onda e fazendo bonito. Nosso querido José Mojica Marins, o eterno Zé do Caixão, continua com sua filmografia em “Encarnação do Demônio”. Temos direto do Sul, Petter Baiestorf, com seu cinema ácido e anárquico nos apresentando pérolas do exploitation brasileiro com títulos tão bizarros como “O Monstro Legume do Espaço”, “Arrombada: Vou Mijar na Porra do seu Túmulo”, “A Curtição do Avacalho” ou ainda “Vadias do Sexo Sangrento”.
Nada sutis, mas funcionam muito bem em seu contexto de total anarquia e crítica ao próprio cinema. Dos nossos mangues do Espírito Santo, Rodrigo Aragão rodou seu “Mangue Negro”, um perfeito EVIL DEAD brasileiro, com direito a litros de gore e maquiagens sensacionais. Voltando ao Sul, temos Felipe M. Guerra com “Canibais e Solidão, uma divertida homenagem aos filmes italianos de canibais.
No contexto geral, fica a sensação de se “viver do passado”. São muitas as sensações de se sentar e “degustar” uma boa bagaceira das antigas, fato impossível quando pagamos o preço do ingresso no cinema hoje.
É por isso que este especial de Halloween irá apresentar a resenha de alguns filmes quase desconhecidos feitos em épocas distintas, por pessoas distintas em países distintos. São filmes quase obscuros para o público em geral. Filmes carregados com grande dose de tudo que é considerado politicamente incorreto hoje. Mas são filmes feitos com o coração. E que a meu ver, OBRIGATÓRIOS para qualquer fã do BOM cinema de horror.
Senhoras e senhores ajeitem-se na poltrona e sintam a sensação do Cinema com “alma”. Experimentem. Garanto que não irão se arrepender.
Felippe Martins é escritor, professor e economista. Além de editor de Cinema do Com Limão e cinéfilo inveterado.