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Como se manter humano em um mundo cheio de IA?

Como marcas e profissionais estão repensando a criatividade, autenticidade e humanidade frente ao avanço da IA.

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Em um mundo onde a inteligência artificial avança a passos largos, o maior desafio talvez seja — não só das marcas, mas das pessoas — continuar sendo humano. Durante o painel “Como se manter humano em um mundo cheio de HDs”, na Semana do Design Itaú 2025, o evento trouxe três vozes para discutir esse dilema moderno: Thaiza Akemi, Head de Content Marketing e Advertising no Itaú; Cristina Naumovs, CEO da Unah Holding; e Clayton Caetano, Head de Marca e Design no Itaú (da esq. para a dir. na imagem abaixo).

Como se manter humano em um mundo cheio de IA?

O trio compartilhou experiências, dúvidas e reflexões sobre a relação entre tecnologia, criatividade e o que ainda nos torna genuinamente humanos.

“A tecnologia faz a gente pensar mais rápido… mas será que faz a gente pensar melhor?” — Clayton Caetano, Head de Marca e Design no Itaú

A provocação inical deu o tom para uma discussão sobre o equilíbrio entre o pensamento crítico e o avanço tecnológico — especialmente quando a inteligência artificial se torna parte do cotidiano de profissionais criativos. Curiosamente essa provocação foi no mesmo sentido de uma conversa que tive no intervalo com uma amiga de longa data, a jornalista Jessica Blumer, atual Head de Comunicação do Itaú Unibanco na Weber Shandwick. “A tecnologia nos faz acelerar muitos processos, mas o que acontece com a qualidade, principalmente dos conteúdos digitais?”.

“A gente aprendeu que precisava ter respostas. Agora, o mais importante é saber fazer boas perguntas… e escutar de verdade.” — Cristina Naumovs, CEO da Unah Holding

A tecnologia é uma aliada no processo criativo, mas não substitui o olhar curioso e o encanto pelas coisas simples. De influenciadoras improváveis como a Barbie da Obra, até conteúdos aleatórios do TikTok, tudo pode ser fonte de inspiração. Algo que reforço: Precisamos sair do computador e explorar o mundo. É o novo “desligue a televisão e vá ler um livro” (campanha da MTV iniciada em 2003 onde a tela preta, com a frase em letras brancas, tinha como propósito de incentivar o hábito de leitura entre os jovens.).

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Naumovs completa “o que me mantém humana é continuar curiosa. É olhar pro mundo com interesse genuíno — mesmo quando parece caótico.” E curiosidade, na minha humilde opinião, é uma das maiores qualidades de um bom designer. É o repertório, que impulsionado pela curiosidade, que nos faz ter bagagem para criar e inovar.

Criatividade é músculo, não dom

Durante o papo, Cristina reforçou uma ideia poderosa: criatividade se treina. “Coragem, pensamento crítico e criatividade são músculos. Você precisa exercitar.” Ela destacou a importância de filtrar o que consumimos: “Decido o que quero ler e ouvir. Evito o conteúdo raso e procuro quem realmente tem algo a dizer.” Para ela, o excesso de informação exige discernimento — e isso também é uma forma de inteligência.

Neste aspecto, novamente, faço coro a fala de Naumovs. Criatividade é como um músculo e precisa ser treinado. Mas, assim como bíceps ou perna, o músculo só evolui com uma boa alimentação. E neste caso, o repertório que você consome é o alimento. Isso não quer dizer que você não pode consumir aquele junk food de vez em quando.

“Vivemos um cansaço de ver sempre as mesmas coisas. O que conecta é a autenticidade — marcas que mostram bastidores, erros e imperfeições.”

— Thaiza Akemi, Head de Content Marketing e Advertising no Itaú

Falando sobre marcas, Thaiza Akemi trouxe um conceito que traduz bem o momento atual das marcas: a estética da confiança. Um reforço sobre como as marcas precisam ser autência, mas sem perder sua essência.

Akemi citou o podcast Good Hang, da atriz Amy Poehler, como exemplo de conteúdo simples, imperfeito e autêntico — e justamente por isso, extremamente popular. “As pessoas querem verdade, não perfeição. Isso vale pra pessoas e pra marcas.”

No Itaú, essa visão ganhou forma com Adênia, personagem que conquistou o público com humor e vulnerabilidade. Thaiza lembrou que o processo de aprovar a ideia não foi fácil: “Quando levamos pro comitê, o silêncio foi geral. Mas foi nesse risco que encontramos confiança.” Mas o risco compensou: o público se viu ali, riu ali e confiou ali.

Criada e interpretada por Mathoso Santana, Adênia é mais do que uma personagem cômica: ela é o espelho irônico de uma geração. Com linguagem afiada e visual colorido que não deixa dúvidas sobre sua origem no universo da papelaria pop Aff The Hype.

A personagem ganhou fama ao traduzir, com inteligência e humor cortante, as aflições do trabalhador jovem brasileiro. Especialmente aquele que, entre boletos e prazos curtos, tenta sobreviver com um sorriso no rosto (ou pelo menos um meme salvador na tela).

Outra genialidade está em colocar uma puppet para contracenar com Fernanda Torres, uma das maiores atrizes brasileiras, ganhadora do Globo de Ouro de Melhor Atriz de Drama e indicada ao Oscar de Melhor Atriz.

“Adênia é uma dessas histórias improváveis e geniais. Uma marionete criada por um dono de papelaria que viralizou na internet e hoje representa, com inteligência e acidez, a voz de uma geração”, comenta Fernanda Torres.

O case da Adênia veio acompanhado de uma fala de Cristina, que defendeu a importância da discordância saudável dentro dos times criativos. “Meu pesadelo é uma sala com dez pessoas iguais a mim.”

Com muito bom humor, Cristina destacou que o conflito (muitas vezes evitado no mundo corporativo) é parte essencial da inovação — é ele que impede a homogeneização das ideias. “É preciso duas pessoas corajosas na sala: uma pra propor, outra pra dizer ‘isso não tá bom’. Isso é o que move a criatividade de verdade.”

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Para encerrar o bate-papo, o trio terminou com um lembrete que ecoou no auditório: ser humano é continuar curioso, imperfeito e emocional. Desenvolver inteligência cultural, olhar pra fora do algoritmo e se permitir descobrir o novo — isso é o que nos diferencia das máquinas.

“Tentem coisas novas, mesmo as que vocês não fariam. Gostem de gente diferente de vocês. E, às vezes, apenas parem. O resto, a IA dá conta”, resumiu Cristina. Eu poderia muito bem encerrar o texto com esta frase, mas quero dar ênfase no “parem”.

Num mundo em que tudo é mensurável, automatizável e acelerado, talvez o verdadeiro ato de rebeldia seja continuar humano — curioso, contraditório e criativo. E, muitas vezes, parar tudo e só olhar para o teto, porque (ao contrário das máquinas) nosso cérebro precisa de descanso para não ser intoxicado com tantos dados.

Conteúdos complementares:

Ouça o podcast do InovaSocial com o cientista de dados e filósofo Ricardo Cappra sobre infoxication.

Imagem destaque de Christian Lue/Unsplash



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