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Especial Terror – Two Thousand Maniacs: Maníacos sem as manias do cinema de terror

Two-Thousand-Maniacs

Por Carlos Proença

Two Thousand Maniacs é o segundo filme da chamada “trilogia do sangue” do diretor Herschell Gordon Lewis – o primeiro seria o seminal Blood Feast (1963) e o último, o mais experimental Color Me Blood Red (1965). Para quem assiste aos filmes hoje, talvez a importância não seja tão explícita, portanto se faz essencial trazer aqui um breve histórico do gênero terror, da carreira de Lewis e o início do subgênero Splatter, do qual os filmes aí de cima seriam pioneiros.

Até o final dos anos 50, e vale lembrar o outro tipo de sociedade e relação com sangue e violência que se tinha, os típicos filmes de terror lidavam com o medo do desconhecido, do sobrenatural, do obscuro. Cansados de uma falta de ousadia gráfica, cineastas ao redor do mundo começaram a explorar a estética gore em filmes esporádicos. Dentre esses podíamos citar um clássico como Psicose (1960) de Alfred Hitchcock, Olhos Sem Rosto (1959) de Georges Franju e o filme considerado o mais violentamente explícito de sua época: Inferno (1960), de Nobuo Nakagawa.

Nesse âmbito, em uma época de muitas mudanças como foi os anos 60, surge uma figura como H.G. Lewis. Egresso dos exploitation ele se junta com o produtor David F. Friedman – uma lenda da indústria exploitation – e realiza em 1963 Blood Feast, aqui lançado no mercado de VHS como Banquete de Sangue.

O diferencial de Lewis seria sobrepor o espetáculo gráfico da violência à estrutura narrativa do filme. Assim, ele é considerado o criador desse subgênero nos filmes de terror: o Splatter, que como marca principal, valorizariam em seu ideário de imagens a destruição física do corpo. Filmes famosos que podem encaixar-se nessa categoria são a trilogia Evil Dead, de Sam Raimi e a série dos filmes de zumbis de George A. Romero iniciada por A Noite dos Mortos-Vivos (1967). Além disso, os filmes de Lewis, sobretudo esta trilogia, contam com a presença de um humor negro muito forte.

Two Thousand Maniacs, aqui no Brasil distribuído nos anos 80 em VHS com o título Maníacos, conta a história de seis jovens viajantes, que em certo ponto de uma auto-estrada californiana são obrigados a desviar seu caminho, indo parar em uma cidade chamada Pleasant Valley, a qual estava comemorando seu centenário. Eles são recebidos em clima de comemoração por seus (até demais) gentis residentes – o filme traz em si uma poderosa crítica ao american way of life do interior americano – e logo tornam-se hóspedes de honra e obrigados a participar da festa organizada para a ocasião.

…o centenário não era da construção da cidade, mas sim da destruição dela.

Contudo, a trilha sonora – tosca porém eficiente– já indica que algo estranho paira no meio de toda essa gentileza. O que os visitantes não esperavam é que o centenário não era da construção da cidade, mas sim da destruição dela e genocídio dos habitantes por soldados ianques na época final da Guerra Civil Americana. E, ainda mais, os seis egressos do norte iriam expiar a culpa de seus antepassados (o sul do país foi massacrado pelo norte nesta guerra) sendo os protagonistas-vítimas de jogos sanguinolentos – como amarrar cada um dos braços e pernas de uma vítima a quatro cavalos e fazê-los correr em direções opostas – que tem como principal motivo mutilar e assassiná-los. Tudo, claro, com muito humor, violência e sangue.

Pessimamente atuado, o filme remete a uma estética camp, que vigorava na época em diversas obras, sendo a mais conhecida o seriado para televisão Batman, de 1966. Ou seja, toda uma aura de filme de baixo orçamento, precariedade técnica e narrativa tendenciosa geram um teor de “humor involuntário” para o filme, mas que na verdade é extremamente calculado. É um daqueles filmes que se você for assistir com os amigos, vai falar: “Olha que coisa mal-feita!” e se divertir horrores com essa proposta que vai de embate a todo o cinemão americano que já conhecemos, o oposto da aparente impecabilidade da produção blockbusters.

O fato dos moradores da cidade não esboçarem qualquer piedade pelos viajantes, e de muitas de suas frases criarem duplo sentidos para suas situações, faz de Two Thousand Maniacs um filme com construção de clima muito especial . O propósito aqui não é tanto fazer o espectador ter medo, mas sim de que ele estranhe a maneira como aquela história tão sanguinolenta esteja sendo contada, em uma estética muito mais próxima de um cinema de comédia de costumes do que propriamente o de terror.

Sua exibição de sucesso nos drive-in theaters elevou-o a um status cult nos dias de hoje, algo que também se deve à completa anarquia do filme com as perversões de seus personagens e suas ações imorais. Uma coisa é certa: ninguém vai extrair uma lição de moral do filme de Lewis. Sem dúvida, um marco no gênero, assim como outras obras do diretor, ainda vivo. Vale muito à pena conferir.

Observação: O nome de Herschell Gordon Lewis voltou mais à tona depois que ele foi citado como um mestre do terror pelo personagem de Mark Ruffalo em Juno, que mostra alguns trechos de um filme subseqüente seu, The Wizard of Gore (1970).

Carlos Proença é graduando em cinema na UFF e já participou de diversas atividades cineclubistas.

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